quarta-feira, 23 de julho de 2008

Força e beleza



Depois de mil anos querendo escrever, não pude mais continuar trabalhando e resistindo às minhas inutilidades. Na verdade um monte de assuntos sobre os quais eu quis escrever foram se misturando, mas ao invés de formar uma miscelânea confusa, acabaram por me mostrar que são coisas que estão inevitavelmente entrelaçadas.
Hoje, quarta-feira, faz uma semana e meia que estou sem Inés Suárez. Não é uma parenta querida e muito menos uma amiga. É uma personagem de Isabel Allende. Ela me marcou como poucos personagens até hoje. Nunca havia lido nada de Isabel e sua linguagem clara e envolvente contribuíram para que eu me encantasse pelo livro Inés da minha alma, que impressiona ainda mais por não ter saído simplesmente da imaginação da autora.
Inés existiu de verdade e foi peça fundamental na colonização do Chile. Ela nos faz rir, nos deixa apreensivos e também faz chorar. Talvez não fosse ela o bravo Pedro de Valdivia não teria conseguido fazer do local uma colônia espanhola. Os indígenas mapuche teriam derrotado seus algozes e... Bem, não é o momento para eu opinar sobre o que eu penso que teria sido melhor. Isabel constrói a narrativa de uma forma delicada que conta a história sem colocar os espanhóis como os mocinhos que venceram os índios malvados, e nem se utiliza de um discurso indigenista hipócrita, que seria o caminho mais fácil. Seu foco é Inés. Ela junta histórias e utiliza a própria imaginação para falar da força da grande Inés Suárez.
Há uma semana e meia terminei o livro e estou órfã da presença de Inés. A mulher viveu em meados de 1500 e fez o que quis: se apaixonou em meio aos cheiros de vela das procissões católicas por um homem nada convencional, mas super sexy que a apresentou ao prazer antes do casamento. Casou-se, foi abandonada, e procurou pelo parceiro na desconhecida América não por amor, mas para não ficar estagnada. Inés quis ser mais do que uma costureira viúva recalcada cheirando a incenso. Envolveu-se com outros homens. Amou, se entregou. Foi amante, amásia, cozinheira, miserável, costureira, esposa, governadora.
Sinto falta da força de Inés Suárez que por uma semana me ajudou a ser mais forte. Simplesmente porque quero como ela, escrever minha própria história. Não tenho a pretensão de ser assim tão forte. Mas gostaria muito de descobrir em mim mesma pelo menos metade dessa força.
Visitando o blog do fotógrafo Antônio Guerreiro - http://antonioguerreiro1.blogspot.com - me deparei com fotos de grandes artistas em várias épocas. Alguns na década de 1970, como Caetano e Gal, no auge da luta política, da contestação por meio da música. Que caminhos eles percorreram para serem fortes o bastante para estarem ali e conseguirem eternamente tocar nossos corações e nos impulsionar a lutar? E qual é o caminho que eu tenho que descobrir?
Caco Barcelos questiona em entrevista à revista TRIP desse mês: “O que seu trabalho acrescenta para o mundo?” Essa pergunta foi em mim uma porrada violenta. Talvez eu não seja nunca a repórter que Caco é. Mas gostaria de ao menos mostrar através do meu trabalho a beleza das coisas. Todo mundo se esforça tanto por mostrar a sujeira por baixo do tapete, morte, violência, corrupção. Há quem me acuse de ser otimista demais, ou só elogiar as coisas, só ver o lado positivo e entrar em defesa. Mas não, eu só gostaria de questionar sim, mas de colocar um pouco de beleza em meio ao desespero. É bom e importante alguém que denuncie. Mas não quero só denunciar. Quero, como Inés Suárez, construir com minhas próprias mãos alguma coisa bonita que traga um pouco de cor. Há quem considere o belo fútil ou inútil. Mas todos temos sede dele. O que seria de nós sem a simplicidade do amor poético de Vinicius de Moraes? Sem a melodia das canções que falam de doçura e carinho? O que seria de nós sem a força dessa beleza? Seríamos simplesmente brutos. Inés, como sinto falta da beleza que sua força me deu para construir o meu castelinho de sons e cores brilhantes...

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