terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Sussurro para 2010

É um mundo estranho com bombas, ódio, guerras, brigas e pessoas que insistem em nos magoar e fazer o mal - às vezes sem perceber. E no meio de tanta coisa ruim encontramos lampejos de beleza e amor para que tenhamos força para continuar a luta. É um mundo estranho...

Eu proponho um exercício: vamos trocar as retrospectivas da TV com todas as tragédias e mortes desse 2009 por um momento de beleza. Pode ser ouvir uma música de olhos fechados, olhar as estrelas ou se jogar na chuva e sentir as gotas baterem no rosto e lavarem nossa cara e nossas angústias. Eu proponho que a gente se renove para começar 2010 sem as tristezas de 2009. Que levemos só esperança, sonhos e amor.

O que eu desejo nesse 2010 para mim e todos vocês é que sejamos almas novas capazes de derrubar as paredes que nos cercam, sem medo de cometer todos os erros possíveis. Que possamos realizar nossos sonhos diariamente e pintar com a aquarela da esperança novos dias. Que cada segundo seja uma festa em nome da alegria e da liberdade. Esse clipe e a letra dessa música da Yael Naïm, dica da Clara Gomes do Bichinhos de Jardim, é TUDO que desejo em 2010 pra todos nós.



P.s.: Em 2010 volto com um monte de novidade bacana. Obrigada a todos vocês que têm me dado força para voltar a escrever. Cada comentário e e-mail me ajuda a derrubar todos os dias as paredes do meu mundo estranho.

sábado, 31 de outubro de 2009

Enfim, Bolívia! - Parte 2 - La Paz Encantada

Duas semanas e meia em La Paz. Quase vinte dias sob as bênçãos dos Andes, vivendo com a intensidade de quem sabe que tudo que é bom passa rápido demais. Peço desculpas à galera que acompanha o blog por não postar antes, mas é que quando se tem tanta coisa para fazer e viver a gente vai agarrando cada novidade com a ânsia de um náufrago. Vou dividir tudo em dois posts: um hoje e outro daqui uma semana.

A Bolívia é um país cheio de mistérios, e até agora, o lugar que mais me inspirou fascínio e respeito foi La Paz. A primeira surpresa de tirar o fôlego é visual. Na estrada a paisagem verde e plana vai cedendo lugar a montanhas e abismos, até que aparece La Paz e El Alto com a Cordilheira ao fundo, as duas cidades sendo vigiadas constantemente pelo pico nevado do Illimani. Dentro da cidade, qualquer esquina oferece a oportunidade mágica de registrar cenas lindíssimas. Caminhando pelo centro paceño, as ladeiras revelam casas antigas, museus e igrejas. Adentrar essas construções é como desvendar páginas empoeiradas e já esquecidas da história latinoamericana. Os pátios, móveis e mesmo as paredes já castigadas por pelo menos 500 anos de uso parecem sussurrar segredos antigos, mistérios indecifráveis, momentos de pessoas que ali viveram alegrias e angústias, generosidades e maldades monstruosas.

É bom deixar claro que pelo menos para mim a altitude foi só beleza. Sabe-se lá por que motivo, se sofri nos primeiros dias foi só pelo frio que se intensificou de repente. Como já comentei no post anterior, quando cheguei estava um clima agradável, fresco. No dia seguinte a temperatura caiu ao ponto de fazer com que eu me sentisse um frango no freezer. Se era um teste da cidade ou de divindades andinas, acho que passei. Ao ponto de que, quando fui embora da cidade e a temperatura foi subindo, me fazia cada vez mais falta o gelado vento paceño no rosto. Poderia ficar a vida toda naquele friozinho, aprendendo a ser elegante com agasalhos, caprichando no hidratante e sem ficar pregando ou com a cara brilhante por causa do suor.

Mil cores e histórias

Na Bolívia tudo tem história e algum tipo de explicação, que pode ter ou não lógica. Acrescente isso a um guia muito criativo que dá a tudo um toque pessoal de suspense ou graça, de acordo com o freguês. Assim é caminhar com Boris Garcia, cineasta, advogado, contador de casos e homem da minha vida. Foi assim que eu soube que na principal praça da cidade quem está no monumento central com ar de pompa é um simples e desconhecido toureiro espanhol, tudo por um engraçado engano histórico.

A principal praça e marco zero da construção de La Paz a que me refiro é a Plaza Murillo, que carrega no nome a homenagem a uma das principais figuras da história da Bolívia, Pedro Domingo Murillo, que fundou La Paz e lutou bravamente contra a dominação espanhola. Pela contribuição, anos depois de sua morte mandaram construir uma estátua para ser o monumento central da praça. Mas a imagem original, do mártir histórico, foi desviada e o que chegou foi a estátua de um toureiro. Como ninguém conhecia a cara de Murillo, não se percebeu na hora o erro e quem ficou lá, levando as honras todas por um bom tempo, foi o tal toureiro espanhol. Depois de um tempo, para consertar o equívoco, tiraram fora a cabeça do intruso desconhecido e colocaram a de Murillo. Tudo muito sutil.

Essa praça, porém, guarda muito mais da história boliviana do que simplesmente o engraçado engano da estátua de Murillo. Isso porque em volta dela estão os prédios onde trabalham as mais elevadas esferas do poder federal, inclusive o Palácio onde quem hoje ocupa a cadeira principal é o indígena Evo Moralles. Além dos milhares de pombos que sobrevoam a cabeça das pessoas e que são atrativos para turistas e crianças, é possível ver, sentado nos bancos da praça, enormes bandeiras da Bolívia tremulando majestosas, e buracos de tiros de vários calibres nos prédios ao redor.

As marcas são o orgulho de um povo que derrubou um presidente corrupto – Gonzalo Sanchéz de Lozada - sob uma chuva de balas. E são marcas recentes, ainda não cicatrizadas: datam de 2003, quando policiais e militares se enfrentaram na praça num duelo suicida. “Pela primeira vez a polícia esteve do lado do povo”, me disse Boris. No meio disso tudo lutaram trabalhadores paceños, estudantes, campesinos e mineiros, esses últimos explodindo tudo – inclusive a si mesmos – com suas dinamites. Esse vídeo aqui explica melhor o que aconteceu:




Da luta às festas

Além da coragem, o povo boliviano possui outra riqueza: a cultura. São tantas danças – cada uma típica de um lugar – tantas histórias fascinantes e loucas, tantas lendas, festas e cores... Sempre tem alguma coisa acontecendo em algum lugar da cidade. E isso é porque nem existe lei de incentivo à cultura. As pessoas trabalham o ano todo para comprar ou fazer roupas e bancar as festas sempre regadas à comida e muito singani e cerveja. O Boris me explicou que é caríssimo fazer parte disso tudo. É preciso se ligar a uma fraternidade. Além de pagar uma nota, é preciso também comparecer a todos os ensaios para que tudo saia com perfeição. Quem mata ensaio perde o dinheiro e a vaga na fraternidade.

Um dia acordei com uma marcha alegre que vinha da rua: banda, instrumentos típicos. Desde a noite do dia anterior a alegre canção ecoava pelas ruas, mas ao amanhecer estava muito próxima. Tanto que me fez ignorar o frio matinal, pular da cama e me lançar à janela. Na rua, os homens ainda estavam cambaleando pela ressaca da noite, e se esforçavam para dançar a morenada, seguidos de cholitas com polleras e xales coloridos e brilhantes. Era uma anarquia alegre, que se esforçava para ser o mais organizada possível. A festa foi em comemoração ao aniversário do bairro de Vila Adela, em El Alto, e durou o dia todo. “Essa dança está feia, você precisa ver uma morenada bem produzida”, falava Boris com desdém, enquanto eu olhava encantada aquilo tudo.

Cinema

Ao contrário do que muita gente pode pensar, a Bolívia tem diretores e filmes muito bons. Um dos que tive a oportunidade de assistir foi Zona Sur, do diretor Juan Carlos Valdivia. É uma produção interessante não só pela fotografia muito bonita, pelas imagens bem-feitas, mas também porque mostra as transformações sociais que estão acontecendo na Bolívia nesse momento sob a ótica de uma família tradicional e decadente.

Valdivia retrata bem os costumes paceños e a mentalidade machista que ainda predomina em La Paz, embora o foco seja a decadência da burguesia tradicional boliviana, com seus jailones (playboys) e peruas, e a ascensão de uma nova burguesia vinda de El Alto. É interessante a forma de o diretor mostrar como essas transformações afetam as diversas faixas etárias: a perua que trabalha demais, gasta demais e tem de vender sua mansão na Zona Sur para uma comadre cholita; o playboy que só quer aproveitar a vida e de tão dependente precisa da mãe para comprar camisinhas para ele; a criança que tem como referência os empregados da casa; a riquinha que vive um conflito sobre seu mundo cor-de-rosa e tenta adotar uma posição de protesto. Aqui está o trailler dele para quem ficar curioso:



E esse não foi o único filme boliviano que eu vi. Além dele assisti Escribeme Postales a Copacabana, de Paolo Agazzi, com uma fotografia muito bonita, pura poesia. Vale a pena demais assistir. Foi uma superprodução com efeitos super lindos, além da história ser mágica e falar muito dos costumes e crenças bolivianos, principalmente em torno do sagrado Lago Titicaca. Assisti também um filme mais antigo, Jonas e a Baleia Rosada, primeiro filme de Juan Carlos Valdivia. Super aprovado. Outra produção que tive a sorte de poder assistir foi Rojo, Amarillo y Verde, onde cada cor da bandeira da Bolívia foi uma história contada por um diretor boliviano, tipo três curtas num filme só, unidos por serem várias faces de um mesmo país.

Mas não é só na produção que a Bolívia está a todo vapor. La Paz tem vários cinemas espalhados pelas ruas da cidade e uma cinemateca linda, com programação alternativa que inclui filmes nacionais e latinoamericanos em geral. Essas diversas opções facilitam o acesso por um lado, mas por outro, o valor do ingresso, assim como no Brasil, não colabora para uma democratização do acesso ao cinema. Os valores variam de 25 a 30 pesos bolivianos. Pode parecer barato para um estrangeiro por causa do câmbio, mas para a população do país, onde grande parte recebe por mês pouco mais de 500 pesos, é um valor impossível.

Por falar nisso cheguei na cidade num momento de novidade: para azar dos cinemas do centro de La Paz, começa lá a tendência mundial das super salas de exibição. Foi inaugurado o shoping Mega Center, que terá uma estrutura gigantesca. Ainda falta muito da área dos cinemas, e as únicas lojas que já funcionam são as da praça de alimentação, mas quando ficar pronto será algo realmente monumental. Pode ser que o Mega Center não prejudique os cinemas do centro da cidade, já que fica na Zona Sur, super longe do centro de La Paz e ainda mais de El Alto, mas, bem... aqui em Goiânia a gente meio que conhece esse processo. Vamos ver o que acontece...
Para fechar esse post vou colocar um vídeo de uma música linda de uma banda chilena muito boa que conheci na Bolívia, e que passou a ser trilha sonora de vários bons momentos que vivi lá, Lucybell.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Enfim, Bolívia! - Parte 1

O vento que acaricia suave as folhas do mato que cresce abundante na beira da estrada. Que espalha o pólen, que refresca o suor do trabalhador cansado. Sim, sempre quis ser vento. Alguém aí conhece a história do encantado pássaro multicor que só tinha magia e beleza quando era livre para voar pelo mundo? Ele sempre partia, mas sempre voltava, porque seu amor pela menina nao deixava ele se esquecer dela. E assim como só tinha beleza e alegria quando podia voar, suas histórias só faziam sentido porque havia por quem retornar. Eu tinha 10 anos quando li essa história do Rubem Alves, mas a cada dia tudo isso faz mais sentido para mim.

Saí de Goiânia dia 30 de setembro, junto com o grupo de hermanos bolivianos que estavam em Goiânia para participar do IV BraBo e do Curso de Cine Sin Fronteras. E hoje estou em La Paz. Ontem estava com o nariz gelado igual o de cachorro, escrevendo com os dedos duros de frio e dezenas de meias e blusas. Hoje fez um frio suportável, quase calor. Esse lugar é mágico. Mas calma, né… Até eu chegar aqui muita coisa aconteceu e para provar que vale a pena jogar a mochila nas costas e se lançar rumo ä terras bolivianas, vou contar um pouco do que pude viver até hoje.

O ônibus da UFG fez o caminho pelo Brasil. Passamos por Campo Grande, Corumbá e várias outras cidadezinhas das quais infelizmente nao lembro o nome. O caso é que tudo foi muito rápido e só paramos para comer. A história começa mesmo é quando chegamos em Puerto Quijarro, que faz divisa com Corumbá, no Mato Grosso do Sul. É incrível como uma linha imaginária pode determinar em que país estamos. É só atravessar a tal da fronteira para se sentir na Bolívia. O cenário muda logo de cara: o estilo de algumas casas e pequenas empresas, o jeito de falar e se comportar. Isso se chama identidade.

Quando chegamos em Quijarro era hora de almoço e adivinhem quem me esperava, gente? A SOPA. As famosas enormes sopas bolivianas que nunca consegui finalizar na vida. Só para esclarecer: elas nao sao exatamente ruins, mas me enchem de tal forma que chega um momento que eu acho que nunca mais vou ter fome na vida. Aqui nesse frio de El Alto – La Paz, até que cai bem… Mas no calor é o tipo de prato que pode ser especialmente indigesto principalmente para nós brasileiros que nao estamos acostumados. Mas tudo bem, né? Quem tem fome nao escolhe, manda ver. E confesso que estava gostoso.

Ao contrário de 2006, dessa vez nao viajei de trem, que por sinal é muito confortável e nao tem nada dos relatos pavorosos que existem por aí. O grupo optou por ir de onibus até Santa Cruz. Recomendo a quem quiser fazer esse caminho que pague um pouco mais e vá de trem. Os ônibus podem ser bem desagradáveis e apertados… E olha que eu fiz o percurso acompanhada por ótimas pessoas e tinha um ombro muito confortável onde dormir. Chegar em Santa Cruz de La Sierra foi um alívio. Ai ficamos dois dias e duas noites de pura diversao. Resumindo: fomos muito felizes mas gastamos muito além do que deveriamos. É isso mesmo… A Bolívia é um destino vantajoso para os brasileiros por causa do câmbio, mas, se por um lado as coisas em La Paz sao realmente baratas, em Santa Cruz sao muito caras.

No primeiro dia Boris e Ruben me levaram para comer una típica parrillada boliviana. No restaurante os garçons colocam ao lado da mesa algo como uma pequena churrasqueira com varios tipos de carne. Isso inclui a teta da vaca, os testículos do touro e umas tripinhas. De desconhecido, provei só a teta. Os testículos nao vieram e eu já estava especialmente cheia para experimentar as tripinhas. Mas a carne estava gostosa. Aliás, nesses dias em Santa Cruz o que fiz bem foi comer. Os meninos e a Silvana, minha hermanita que encontramos depois, me levaram a um restaurante de comidas típicas bolivianas cruceñas – ou camba*. O restaurante se chama Casa Del Camba. Nossa… Quem passar por Santa Cruz nao deve deixar de ir a esse lugar. O tempero é delicioso. A comida camba é muito, mas muito boa.

A cidade de Santa Cruz de La Sierra é quente, agradável e bonita. Se parece muito com Goiânia em alguns aspectos. Uma coisa interessante é que lá tem muitos monumentos dedicados a mulheres. Isso porque o cruceño tem muito orgulho das suas mulheres, que dizem ser as mais lindas da Bolívia, além de boas maes. Há inclusive uma rixa entre a galera de La Paz e a de Santa Cruz por isso: dizem que as cruceñas sao as mais lindas, e no entanto burras, e as paceñas as mais inteligentes e fiéis, ideais para casar. Já as cochabambinas… Menino, nem queira saber… Sao valentes e batem nos maridos… Me contaram que a Delegacia da Mulher de Cochabamba passou a ser nao só da mulher, mas da violência doméstica em geral, porque lá quem leva cacete mesmo sao os homens.

No último dia em Santa Cruz fomos a um clube, o Aqualand. Muito divertido. Me lembrou os tempos áureos do Jóquei Clube quando eu era criança. Peguei até uma cor… O único defeito desse lugar é o preço: cada um pagou 70 pesos bolivianos para entrar. Em Santa Cruz também assisti a um filme no cinema. Liiindo, se chama Postales a Copacabana… mas essa é uma história que só vou contar daqui uns dias, quando eu mesma visitar esse lugar.

Da Santa Cruz quente e festeira vim para a mágica mas fria La Paz – finalmente. Quando cheguei nao fazia um frio terrível, mas a cidade está me testando e ontem quase morri mesmo vestindo um monte de roupas e mais uns casacos que peguei emprestados do Boris e que me deixam redonda igual um balao – mas pelo menos quentinha. Aliás, estou sendo mimada e bem cuidada além da conta, vou voltar insuportável para o Brasil.

Na verdade muitas outras coisas aconteceram até chegar em La Paz e o Boris me contou muitas histórias. É tanta informaçao e tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que infelizmente vou ficar devendo o relato de algumas partes disso tudo. No próximo texto vou contar sobre La Paz, a magia do Altiplano, um filme muito legal que eu vi chamado Zona Sur, sobre os ricos da cidade que estao falindo com a ascensao de uma nova burguesia paceña, e os preconceitos bem marcados que existem aqui na Bolívia.

*Camba: Esse era o nome do trabalhador rural da regiao de Santa Cruz. Os cruceños detestavam ser chamados assim. Hoje, com a ascensao dos valores tradicionais no governo Evo Morales, muitos cruceños tem orgulho de se dizer cambas.

P.s.: Aos curiosos quanto ao trabalho que vim fazer aqui, digo que ainda estou pesquisando. Ainda essa semana vou atrás de agendar entrevistas e tudo o mais. Aos mais curiosos ainda que querem saber do lado pessoal da viagem, estou feliz como nunca estive na vida.

P.s.2: Perdoem a falta de acento e os erros de ortografia mas o teclado daqui, configurado em espanhol, faz questao de me boicotar.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Da paz que você me deu

"Eu só queria ser salva das pedras, só queria pegar carona nas ondas" - Tati Bernardi

Vem, acaricia meus cabelos e beija minha alma. Me faz sentir esse misto confuso de inquietude e serenidade. No meu coração faz brotar um tormento doce que espanta o vazio oco que antes ocupava todos os espaços. E então chego em casa e enxergo tudo diferente. Os livros na estante todos berram amor. As letras desenham poesia e mesmo os mais confusos textos filosóficos tornam-se doces. Te juro, depois de te ver, é fácil perceber Habermas sorrindo pra mim. Pela janela as outras janelas que antes me sufocavam com seus observadores atrevidos agora são apenas portais para outras realidades, cada uma com sua magia e seu jeito de ser o mundo. A vida com você perto de mim tornou-se ridiculamente perfeita, com tudo exalando o inebriante perfume do amor. E então eu voltei a ter 15 anos, a acreditar em romances e em conto de fadas. Perdi o medo do ridículo, perdi a noção de piegas. Não sei mais disfarçar ou fingir sentimentos. Apenas sinto. E sinto tão intensamente que tudo transborda. É amor que estoura tudo, arrebenta, explode e ao mesmo tempo emana paz infinita.

Pode ser mesmo que isso passe. Que você vá embora, saia por aquela porta e nunca mais volte. Que se afaste de mim e na distância encontre aconchego em outros braços e prazer em outros beijos. Pensar nisso me deixa paralizada de pavor, em pânico. E sinto meu colo vazio, minha boca sem você. Então olho no fundo dos seus olhos e decido arriscar. Porque não importa o que aconteça você já terá transformado minha alma. E então já serão milhões de quilômetros de vantagem: é a simples possibilidade de viver algo pelo qual todos passam a vida toda procurando. Eu encontrei.

Você não sabe, mas acabou de me salvar. Do tédio, da desilusão. Da derrota de acordar todos os dias com um gosto amargo da vida na boca e levantar com o corpo ainda pesado dos remédios que com dificuldade me faziam dormir. Você veio com mãos suaves e firmes e me despiu da armadura que construí em volta de mim para proteger meu coração. Me encontrou tão vulnerável, tão frágil... E ao mesmo tempo despertou em mim uma força e uma coragem para mudar o mundo que eu nem lembrava mais que poderia ter.

Eu quero que seja para sempre essa minha vontade de sorrir para todas as pessoas e perdoar todo mundo. Que seja para sempre essa minha capacidade de agradecer a atendente de telemarketing que normalmente me irritaria. Que eu não tenha medo das contas vencendo, nem dos problemas que atormentam minha vida. Só quero que seja para sempre essa paz que sinto quando te abraço, essa tranquilidade de viver que toma conta de mim. Porque afinal de contas não importa o problema que eu tenha durante o dia, à noite vou te ver e nada mais disso tem importância.

No fundo ainda sou a mesma mulher complicada, confusa e maluca que você conheceu há alguns anos atrás. A mesma menina boba e medrosa. Por isso peço para que não desista de mim. Que não se assuste quando eu não consigo ser sutil e falo na lata que te amo porque amo mesmo. Não fuja da minha intensidade assustadora, das minhas explosões. Sou toda assim: entrega, escândalo e barulho. E se consigo hoje ser também paz e serenidade, é porque você acalma meu coração.

Fiz as pazes com casais apaixonados que passeiam no parque, com os pombos que voam perto da minha janela, com o Ovomaltine caprichado de calda e coisas crocantes. Perdi mesmo o medo de ser ridícula, louca, apaixonada. Abandonei meu desprezo por aqueles que declaram seu amor no meio da rua: hoje respeito quem tem a coragem de amar. Isso tudo porque você saiu da sua casa, do seu país e veio aqui no meio do cerrado me libertar. Pronto. Estou liberta. Finalmente livre de mim mesma para ser muito mais.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Sob as bençãos de Pachamama

Há quase um ano atrás pedi permissão à minha editora no jornal para ir à Bolívia. Eu só queria uma semana para matar minha saudade daquele lugar. Em troca da liberação cheguei a loucura de oferecer uma reportagem por dia. Ela me mandou falar com o editor-chefe, que fez o seguinte comentário:

- Se fosse Paris ou Nova Iorque, mas ninguém quer saber nada sobre a Bolívia. Esses textos não me interessam.

Chocada com tal comentário vindo de um jornalista brasileiro com anos de profissão, engoli minha indignação e desisti de argumentar. No final das contas até consegui a liberação e o jornal nem foi o motivo de eu não ter podido viajar. Mas o fato é que até hoje isso ecoa na minha cabeça e me faz querer cada vez mais mostrar porque me apaixonei por esse nosso vizinho. Cada vez que me lembro disso, sinto uma vontade enorme de que todo mundo saiba como são injustos os julgamentos de algumas pessoas que não dão valor à nossa América Latina, como se nem fizessem parte dela. A Bolívia é um país fascinante, delicioso e cheio de mistérios. Mas só encanta e transforma quem se abre para sua história e magia.

Conheci esse país graças à loucura maravilhosa de um grande mestre. Em 2006 o professor Nilton José foi aos poucos colocando em nós a sementinha dessa ideia, que deu origem ao I Colóquio BraBo e a uma parceria maravilhosa com a Escuela de Cine y Artes Audiovisuales de La Paz. O projeto foi amadurecendo e hoje é com muito carinho e orgulho que espero ansiosa pelo IV Colóquio BraBo, que começa no dia 26. Além das discussões do evento, esse ano duas turmas se preparam para tornar-se cineastas populares por meio do Curso de Cine Sin Fronteras. A semente tornou-se uma bela árvore que dá frutos a cada dia mais lindos.

Além de tudo isso que tem tomado proporções muito maiores do que as esperadas por nós no início, há outra herança maravilhosa: as pessoas que conhecemos e nos abrigaram no primeiro colóquio. Já são três anos de "convivência". Foram muitas alegrias, tristezas e lutas, compartilhadas virtualmente. Enquanto batalhávamos daqui para não deixar nossas ideias morrerem, eles, de lá, lutavam também. Com a chegada do IV Colóquio, quero fazer uma pequena homenagem, aqui, a algumas dessas pessoas. Eu só tenho que agradecer os momentos lindos que me proporcionaram, a amizade, o amor e os laços de irmandade. Muito obrigada. Que estejamos sempre unidos e que Pachamama abençoe nossos caminhos.

sábado, 1 de agosto de 2009

Novo semestre, nova cara, nova vida

Sei que já faz um tempinho que mudei a cara do blog, mas ainda dá para dar uma explicação para tanta mudança tão perto uma da outra. A verdade é que mesmo já tendo mudado o layout do Sussurro algumas vezes, ainda não tinha achado o tom de sussurro que eu gostaria. Queria algo diferente, com a minha cara e tom de texto que eu busco. Depois de concluir que não ia conseguir fazer isso sozinha, fui atrás de uma alma sensível, uma pessoa que me conhecesse o suficiente para me ajudar a achar essa identidade, esse layout que ficaria para sempre. Que eu olhasse e me ajudasse a viajar. Muito generosamente, o Carlos Alexandre topou me ajudar com isso. Generosamente mesmo porque sou muito chata e não tinha imagem no mundo que eu gostasse, mesmo ele sendo ótimo profissional e uma das poucas pessoas que me conhecem de verdade. O coitado fez uns três topos diferentes.

Até que encontramos essa figura na janela e os tons que combinavam perfeitamente com a leveza dela, com algo etéreo, com o sussurro gostoso que arrepia a alma. A imagem é do quadro Mulher à Janela, de Salvador Dalí. Teve gente que não curtiu muito... Mas eu confesso que mesmo com quase um mês de layout novo eu ainda me pego babando e achando lindo. Meio que me coloco no lugar dessa mulher... Ela é tão simples, de pés no chão, simplesmente observando, inventando sua própria janela... Até posso sentir o vento nos cabelos... Eu, como legítima cria do interior, adoro uma janela. E o Sussurro é minha janela, minha alternativa para escrever tudo o que tenho vontade.

Quem sentir falta do layout anterior, ainda terá como matar as saudades. Continuo extremamente apaixonada pela fotografia do Julius, destaque do layout anterior, por isso vou deixar a foto ali do ladinho direito. Além de representar muito bem o blog, também acho uma delícia poder ter ela ali para olhar de vez em quando. Nunca que me desfaço desse trabalho tão lindo que tive a sorte de conhecer. E o Sussurro continua assim. Entre trancos e barrancos, é meu espaço para alguns textos tortos. Sintam-se à vontade.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Cineclubes

Que o preço do cinema está nas alturas é fato. A cada dia é mais complicado pagar para ver um filme na telona, ainda mais para quem, como eu, não tem mais carteirinha de estudante para pagar meia entrada. E não é só esse o problema que faz do acesso ao cinema algo restrito. Além dos altos valores, milhares de cidades no país não possuem salas de exibição. É uma constatação triste, ainda mais quando paramos para pensar que não é só diversão. É cultura, cidadania e instrumento de transformação social.

Os cineclubes tem exatamente a intenção de preencher esse vazio que existe no Brasil. É uma alternativa bacana para ver filmes que geralmente não estão no circuito das salas comerciais e de graça. Opção interessante para quem gosta de cinema e quer assistir e debater. E se engana muito quem pensa que isso é coisa de nerd cinéfilo, de estudantes que não tem mais o que fazer ou apenas de panelinhas formadas por gente ligada à produção audiovisual.

Qualquer pessoa ou instituição que tiver vontade de montar um cineclube pode participar do evento que acontece esse final de semana em Goiânia, nos dias 17 e 18, no Centro Cultural Caravídeo. É a etapa estadual do Circuito em Construção - Seminários Estaduais para a Auto-Sustentabilidade Cineclubista. A intenção é instruir sobre como montar e sustentar um cineclube, já que não dá para manter sozinho - financeiramente - uma estrutura como essa. Existem incentivos inclusive do Ministério da Cultura.

Apesar de existirem pelo menos 12 cineclubes em Goiás, infelizmente, eles não funcionam regularmente, com exibições constantes. É o que afirma Luiz Felipe Mundim, Coordenador do Cine Mais Cultura da ABD-GO e do Cineclube Cascavel. Isso é porque, segundo Luiz Felipe, a galera em Goiás ainda não tem a mesma consciência dos cineclubistas dos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro. A atividade cineclubista, que completa esse ano 81 anos no Brasil, se fortalece cada vez mais e consegue se auto-manter. Para fortalecer esse movimento também em Goiás, basta se unir e se conscientizar sobre a força e poder de mobilização do cineclubismo.

O projeto Circuito em Construção – Seminários Estaduais Para a Auto-Sustentabilidade Cineclubista reuniu em junho de 2008 no Rio de Janeiro um representante do movimento de cada estado brasileiro. Cada representante se preparou para realizar o evento em seu estado. Goiás fechará a lista dos seminários estaduais com a presença de importantes nomes para o Cineclube nacional e internacional, como o Presidente do Conselho Nacional de Cineclubes e Vice-Presidente da Federação Internacional de Cineclubes Antônio Claudino de Jesus, o Coordenador-Geral de Difusão de Direitos Autorais e de Acesso à Cultura do Ministério da Cultura (MinC) Rafael Pereira Oliveira e o Coordenador Executivo da ação Cine Mais Cultura do MinC Frederico Cardoso.

Antônio Claudino, aliás, é uma pessoa super disponível, com anos de experiência em cineclubismo. Conversei um pouco com ele por telefone, mas infelizmente no Diário da Manhã saiu apenas uma notinha, porque as fotos não estavam muito boas e por esse motivo seria complicado dar destaque. Claudino explicou que para montar um cineclube e para fazer com que ele dê certo, é necessário que em primeiro lugar, exista um grupo de pessoas interessadas em ver e discutir filmes. É importante também que esse grupo possua uma identidade com a comunidade em que está inserido e que veja o cinema não apenas como diversão, mas como uma forma de exercer a cidadania. Outra dica interessante de Claudino é o site www.cineclubes.org.br para quem tem interesse se familiarizar mais com o tema.

Nos dois dias de seminário serão realizadas seis mesas-redondas que discutirão temas como: O panorama do cineclubismo no Brasil e no mundo; Cineclubismo e Memória em Goiás; Direitos Autorais; Programação e Distribuidores de Conteúdo; Cineclubes, uma rede em defesa dos direitos do público; Mecanismos de Financiamento da Cultura; Relatos de Experiências Locais.

Para quem quer saber mais:
Circuito em Construção - Seminários Estaduais para a Auto-Sustentabilidade Cineclubista

Quando? 17 e 18 de julho, das 9h às 18h
Onde? Centro Cultural CARAVÍDEO Rua 83, n.º 361, Setor Sul – Goiânia – GO
Inscrições gratuitas pelo: www.cineclubecascavel.blogspot.com
Vagas limitadas
Mais informações: (62) 3218-6895 (Delma ou Tatiane)

sábado, 4 de julho de 2009

Adeus à grande amazona

Como um passarinho que acaricia as folhas das árvores com o movimento de suas asas, ela me deu um último beijo morno. Desde quando eu era bem pequena me despedia dessa figura gordinha e suave com medo de nunca mais voltar a vê-la. Era um medo que gelava por dentro, que consumia as entranhas e me fazia tremer, mas que desaparecia com o aceno delicado daquelas mãos grossas pelo contato com o sabão e a lida dura da vida. Ela acenava, sorria, e só quando o carro estava longe fechava o portão da casinha branca.
Quando eu tinha medo do escuro, ela chamava com carinho:

- Vem, deita aqui na minha cama comigo.

E eu, assim como todos os netos quando estavam atormentados pelas sombras da noite, dormia serena aconchegada na barriga mais confortável que qualquer travesseiro de luxo. O ritmo suave da respiração dela era como uma canção de ninar. Não importavam os fantasmas. Nenhum deles poderia se aproximar daquela aura de ternura. Era nossa fortaleza.

Da pequena cidadezinha de Tiros, interior de Minas Gerais, ela saiu com os filhos e o marido que não amava. Saiu com a coragem das mulheres decididas a mudar de vida. Sem nenhuma garantia de sucesso, mas com a firmeza de quem queria que os filhos tivessem oportunidades reais. Com o tempo nutriu um sonho interessante: queria muito ver alguém da família na TV. Quando conheceu esse estranho aparelho, aliás, foi na casa de um vizinho, já em Goiânia, num bairro pobre da capital. Só ele tinha a tela mágica, e todos da rua se reuniam em torno dela em sessões alternadas.

Nunca vou me esquecer das tardes em que a família se reunia e os pequenos brincavam no quintal até serem atraídos pelo cheiro confortável de pão-de-queijo. Então, todo mundo lavava as mãozinhas e ela colocava ali o precioso biscoito quente, com um sorriso maroto. Quando ia na feira, levava a tiracolo seu carrinho e um ou dois netos. Quando voltava, cada um ganhava sua cota de salgadinhos de feira comercializados em sacos junto com os grãos.

Mesmo com nove filhos e um número sem fim de netos, ela sabia os gostos de cada um. Se fulano gostava de bolo de chocolate e ia visitá-la no domingo, ela preparava com todo o carinho o mimo para satisfazer a pessoa. E não poupava esforços. Se tinha ingrediente em falta, alguém devia sair para comprar e era preciso procurar até encontrar. Nos aniversários ela ia além: não tinha dinheiro para comprar grandes presentes, mas sempre preparava um almoço especial para o aniversariante. Nada a deixava mais feliz que ver as pessoas que amava felizes.

Ela passou pela maior tristeza que uma mulher pode passar nessa vida: perdeu um filho. Aos vinte e poucos anos e com muitos planos de ser grande na vida, ele se acidentou no trabalho. Mesmo com o peito dilacerado e a saúde debilitada pela dor, levantou a cabeça para criar os outros pequenos. E cuidou de todos, educou todos com a severidade e o carinho que garantiram que a família fosse sempre de gente honesta e trabalhadeira.

A gente quase perdeu tantas vezes essa mulher tão especial, ela superou tantas, que mesmo quando já estava na UTI em estado gravíssimo ninguém acreditava que dessa vez fosse pra valer. Mas se o espírito era forte, o corpo já estava debilitado demais: por todas as coisas lindas que fez nessa vida, Deus achou melhor levá-la para evitar mais sofrimentos. Ela merecia descansar, foram 79 anos de lutas muito duras.

Venho de uma linhagem de mulheres fortes, daquelas que sustentam o mundo nas costas. Venho diretamente das amazonas, que não pensavam duas vezes ao ter de decepar o seio para se fortalecer para a guerra. Mas se existe uma dor capaz de rasgar o coração e fazer gemer e gritar é a dor que vem com o vazio provocado pela falta de quem amamos. Dessa a gente até pode escapar com lágrimas furtivas em alguns instantes, mas chega um momento em que se cai, tomba. Só que se existe algo que aprendi com ela, nossa líder, a amazona-mãe, foi que os guerreiros podem se ferir de morte, que mesmo com a dor sufocando devem levantar a cabeça e sorrir. O importante é fazer valer nossa missão.

Para salvar a família, assim como a Judite da história bíblica, ela decepou muitas cabeças e lutou muitas guerras sem nunca perder a doçura e o sorriso. E essa é a imagem que terei sempre de você, vovó: o seu sorriso e o último beijo que mesmo morrendo de dor a senhora jogou pra mim no meio da UTI. É disso que sempre vou me lembrar quando a dor for grande, as sombras me atormentarem e eu não tiver o consolo da sua barriguinha macia e perfumada para me proteger. Vou seguir sorrindo. Porque foi assim que você me ensinou a fazer.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Brasileiro, eu?

De tanto dizerem que o brasileiro não tem memória, acabamos mesmo nos esquecendo de tanta coisa...
De tanto ouvirmos falar que brasileiro é acomodado, a gente se acostuma...
Ou será que quem diz isso apenas tem razão?
Tenho orgulho de ser brasileira. Quase sempre. Porque há também ocasiões em que minha cara queima de vergonha.
Quando ouço uma estudante de geografia de universidade federal me dizer que vai sim votar em determinado político, e não importa todos os escândalos em que ele se envolveu, todas as acusações de desvio de verba que foram silenciadas. Não importa porque isso é passado. É, o passado não importa. Porque não importa também Fernando Collor de Mello ganhar força política novamente depois do Brasil se mobilizar para tirá-lo do poder num processo de impeachment.
E ninguém se importa com escândalos, desvios de verba, CPIs, dinheiro em cueca, em mala, em qualquer lugar que não seja investimento no povo brasileiro. Não importa.
Ninguém se incomoda com tudo que se vê na televisão, lê nos jornais sensacionalistas que mostram bunda e sangue, nas revistas que falam mal do povo brasileiro e exaltam aqueles que nos pisam. É, não importa. Eu vou votar porque ele faz uns asfaltos de má-qualidade, uns viadutos de espeto. Vou votar no político que rouba mas "faz". Faz investimentos na bolsa, em fazendas, no futuro brilhante dos próprios filhos.
A gente vota é naquele que não fala nada de coerente nas campanhas, mas tem um sorriso legal. Que tem propostas esdrúxulas, mas é gente do povo.
A gente é brasileiro e não desiste nunca.
A gente sorri no ônibus lotado que sobe de preço todo ano. Até reclamamos um pouco. Para os amigos no churrasco mirrado do sábado. Porque na hora de reclamar com quem é responsável por isso...Para que se incomodar?
A gente sorri pro velhinho que está em pé ao lado do banco em que estamos sentados. A gente ri da garota com os braços cheios de livros que perde o equilíbrio quando o ônibus freia.
A gente ri da desgraça que virou nossa vida com impostos que sobem mais de 100% ao ano. Do salário que não entra. O santo dinheiro do nosso suor, que mal dá para pagar as contas do mês e o qual não temos o direito de receber em dia.
A gente acha legal o bolsa-família, bolsa-estudo, bolsa-gás, bolsa-puta-que-o-pariu que o governo paga com o dinheiro que trabalhamos duro para ganhar. Achamos bonito a pessoa que vive em situações miseráveis, que não tem o direito à dignidade de trabalhar e ganha a comida, mas não ganha respeito.
Às vezes, a gente até se choca com assassinatos brutais. Mas no mês seguinte ninguém lembra de mais nada, e logo o assassino está nas ruas e é mais um que ri de nós.
Aqui no Brasil, os políticos corruptos não tem mais nem a dignidade de rir pelas costas do povo. Ri na cara mesmo. Se lixa para a opinião pública, já que pela inércia o público parece não ter opinião.
A imprensa vendida. Os jornalistas de alma vendida. Por que ser diferente num país em que ninguém se importa? É o que EU JÁ OUVI DE VERDADE. Quando alguma mídia mostra nossa triste realidade, seja com humor ou não, a gente até se incomoda. Ri... E aí? Logo estamos votando errado de novo. E não é por inocência. Optamos pelas mesmas pessoas. E então faz todo o sentido do mundo passar meia hora ouvindo notícias ruins no jornal da manhã e a âncora terminar tudo com um sorriso singelo e um: "Bom dia e boa semana".
Teremos uma boa semana. Um final de semana alegre. Sem dinheiro para a cerveja. A gente vai lá e estoura um pouquinho o limite. E engole tudo. Sente o gosto amargo da derrota de não ter forças para reclamar. E espera o ínicio da novela ou o fim da noite.
"Não acomodar com o que incomoda", diz Fernando Anitelli. Só é complicado mesmo quando a gente olha em volta e parece que é o único que se incomoda.

Todo mundo cansado de ver esse vídeo...Mas vou postar de novo. Pra gente rir, né? Porque se manifestar mesmo, tá difícil.

sábado, 2 de maio de 2009

O retratinho

Eu estava tranquila. Sem frio para agasalhar. Sem sol para aquecer. Sem vento que arrepiasse os pêlos da nuca. Estava ali. Normal. Ser morno parece simples, mas é complicado. Isso porque quando se é morno, não há paixão. Quando se escreve morno, as letras saem retinhas, emparelhadas, sem provocar sensação ou sentimento. Ou se é frio, ou se é quente. Ser morno é conformismo. É levantar, beber o leite, trabalhar, voltar, trabalhar, ver a novela na TV e dormir depois de acalmar o coração não com amor, mas com remédio. E aqui estava tudo morno, sabe? Tão morno que dava medo.
De repente ele caiu no chão. O retratinho.

- Era 3x4, menina?
- Não, nem isso. Era um retratinho tão pequeno...

No retratinho estava o rosto do meu primeiro gesto de coragem, da primeira vez que liguei o foda-se. Era o retratinho da minha primeira descoberta de que existe mundo demais. Quando percebi que basta querer para colocar o pé na estrada e fazer sonhos serem realidade. Só é preciso disposição para encarar o mundo exterior e ter coragem para mergulhar no fantástico mundo interior - nosso e dos outros. E por que então estou aqui?

O retratinho esquentou tudo. Esquentou o incômodo pelo comodismo. Esquentou o zíper da mochila aberta esperando para ser preenchida. Esquentou o interesse pelos olhares invisíveis dentro do ônibus. E era só o seu retratinho, que ainda levo no coração mesmo com todas as transformações e problemas da vida. Era só aquele seu retratinho, sabe? Aquele mesmo da despedida...

sábado, 11 de abril de 2009

O mágico mundo de Fernando Anitelli

Penso que poucos grupos no Brasil são tão completos quanto o Teatro Mágico. O grupo surgiu há seis anos e o show é um espetáculo maravilhoso, que provoca em quem assiste um misto de sensações. A mistura de poesia, música, teatro, dança e arte circense deu certo e na minha opinião o sucesso da banda tem um significado especial. Prova que as pessoas gostam de poesia, que os jovens admiram o belo e que essa não é uma geração tão alienada quanto alguns estudiosos querem que pareça ser.

O que mais me chama atenção na trupe – e isso eu coloquei na minha matéria que saiu no Diário da Manhã - é a capacidade de mobilizar jovens e adolescentes que as palavras de Fernando Anitelli possuem. Conheci muitos fãs do grupo. Todos eles falam de algum tipo de transformação provocada pelas mensagens d’O Teatro Mágico. Grupos se formam para ajudar o próximo, para poetar, para sorrir. E isso consegue ser ainda mais belo que os movimentos delicados de Gabriela Veiga no tecido – e olha que a moça sabe fazer coisas lindas pendurada num pedaço de pano, como bem dá para ver na foto acima.

Então chega de conversa fiada. A pedido de alguns raros de Goiás, resolvi postar a entrevista integral que fiz com o criador e vocalista do Teatro Mágico, Fernando Anitelli. As fotos são de Mariana Oliveira - pessoa rara mesmo. Para os fãs, que me ajudaram com a matéria do jornal que saiu antes do show, muita coisa é batida e nem tem lá muita novidade. Para quem não conhece o trabalho da trupe, vale a pena ler. Então é isso. Senhoras e senhores, com vocês, O Poeta.

Lídia AmorimComo surgiu O Teatro Mágico?

Anitelli - O Teatro Mágico surgiu justamente baseado em saraus, na perspectiva de agregar artistas, músicos, atores, nessa idéia de juntar tudo num mesmo ambiente, numa coisa só. A partir desses saraus, que realizávamos entre amigos, eu resolvi montar o Teatro Mágico. (Aqui Anitelli me pede para esperar um minuto e diz delicadamente para outra pessoa: "Coloca trinta de gasolina, por favor?") O pessoal gostava muito dos saraus e eu percebi que a gente tinha aquela capacidade de misturar os instrumentos, as expressões artísticas, tudo. E inspirado nisso eu resolvi montar o Teatro Mágico. Convidei alguns amigos que também participavam dos saraus, amigos que faziam teatro, outros que faziam circo e desde 2003 até hoje a gente está aí nesse caminho cada vez mais agregando outros músicos, outros artistas, buscando sempre amadurecer, melhorar o trabalho.

LAO grupo defende a liberdade de acesso à cultura. As músicas estão todas disponíveis para baixar no site e os CDs são vendidos a preços populares. Como o grupo se mantém?

Anitelli - Tem que ter um grupo disposto a enfrentar todas as adversidades, disposto a aprender sempre com o outro. Um grupo que saiba ser paciente, que saiba que arte não é esse estereótipo que muitas vezes as mídias buscam vender do artista famoso que simplesmente faz uma apresentação e não está nem aí para o público. Não. Nosso trabalho é tranquilo, é muito pé no chão, feito de maneira muito clara para o nosso público. A gente consegue fazer as coisas e se movimentar vendendo os ingressos (dos shows), vendendo os CDs a preços populares, camisetas, todas essas coisas. A gente não tem apoio nem patrocínio, mas isso é interessante porque o artista sempre teve que viver esperando o bom-humor de alguém, de alguma rádio, o bom-humor de alguém de alguma TV para poder mostrar o trabalho dele. Na verdade o que acontece é que nenhuma rádio coloca a gente na programação porque a gente não paga jabá. Nenhuma TV coloca a gente na programação, porque a gente não paga jabá. A gente participa como mídia espontânea em alguns programas, mas na programação mesmo a gente não entra. Quando se usa a internet como ferramenta livre, capaz de colocar o artista frente a frente com o público, tudo muda. Aí a gente passa a ter um meio de comunicação, que não é de massa, que não alcança tanta gente ainda, mas que já ajuda. Se o artista tem talento vai permanecer, se não tem talento, vai cada vez mais perder o espaço. A tendência é diminuir esses artistas pré-programados que tem no mercado. Vai prevalecer o artista que tem uma relação honesta com a própria arte, com o seu público. A gente consegue conversar sobre música, falar sobre nossas afetividades, articular debates.

LAVocê concorda então que a tendência é a internet mudar totalmente o jeito de o artista divulgar seu trabalho...

Anitelli - Sem dúvida alguma. O músico sempre esperou o bom-humor de alguém que falasse: “Olha, eu tenho um contato na televisão ou no rádio. Tenho um amigo, um parente, um sobrinho”. Essa coisa do amiguismo, do contato, isso tudo começa a se perder a partir do momento em que você faz um trabalho consistente e que você sabe que pode realizar de maneira responsável, com o pé no chão, sem cair nas armadilhas que a mídia coloca, de ter que dizer que artista é aquele que tem que aparecer na televisão num programa de domingo e se joga numa bacia d’água.

LAO trabalho do Teatro Mágico tem conseguido atingir o público jovem e provocado certa mobilização. Em Goiânia e em Brasília, por exemplo, existe o TruPcando em Sonhos, em que jovens se reúnem para fazer música, poesia, arte circense e ajudar o próximo. Você esperava que fosse gerar tudo isso?

Anitelli - Esse tipo de mobilização eu não esperava. Quando criei o projeto do Teatro Mágico eu achava que ele tinha força suficiente para se manter vivo, para se fazer acontecer. Agora, a maneira como o público ia responder às nossas mensagens, às músicas, eu não sabia. Fico feliz da vida de ver jovens, adolescentes, universitários, os pais, os avós, gente se interessando por literatura, por circo. Gente dando outros valores para a arte, para a cultura, fazendo saraus. Para mim isso é fabuloso, é uma resposta linda desse trabalho que começou do nada. Isso mostra que o projeto tem um conceito que vai além daquilo que a gente está mostrando no palco. É aquele conceito do jovem brincar de pensar. As pessoas reconhecem que o Teatro Mágico não é só uma apresentação em determinado dia com pessoas coloridas e felizes. O Teatro Mágico é exatamente como aquele jovem vai se colocar, que personagem ele vai escolher para viver o dia-a-dia dele. Eu acho que o Teatro Mágico faz essa indagação a todas as pessoas que têm contato com ele. E eu fico feliz da vida. Cada vez mais essa responsabilidade pesa na gente, porque não cantamos para um ou dois. É um monte de gente que está ali e se interessando em fazer algo pelo próximo. Pensando assim a idéia é atingir cada vez mais e mais pessoas. Isso para nós é ótimo.

LAO projeto do Teatro Mágico é uma trilogia. Vocês já lançaram o segundo álbum, e logo lançarão o terceiro. Como vai ser depois disso? O grupo vai acabar?

Anitelli - Na verdade não é que a gente vai parar. Eu quando pensei o Teatro Mágico pensei numa trilogia que pudesse traduzir algumas questões sociais, almáticas, em relação aos preconceitos de opção sexual, de cor, contra a mulher, a questão do meio em que vive o homem, do trabalho. Eu acho que tem tanta coisa importante para a gente falar. Eu não vou falar de coisa feia, que coisa feia o tempo todo já tem. Então vou falar de fantasia. Ao invés de falar das coisas que destroem, que machucam, vamos colocar a realidade de uma forma para o povo aprender, para ter informação. Para se mobilizar contra essas coisas. Senão a gente fica também vivendo num país de sorrisos e alegrias quando na verdade não é nada disso. Eu acredito que as nossas ações não podem ser impensadas. O artista tem uma responsabilidade social. Ele não pode fazer uma arte que entra no palco e blá blá blá, vai embora e está de bom tamanho. Não, não é isso. As pessoas têm que sair dali se perguntando “o que estou fazendo e o que não estou fazendo? Onde posso melhorar?”.

LAE o terceiro e último álbum? O que o público pode esperar?

Anitelli - O primeiro foi um questionar do indivíduo no coletivo, onde o tudo é uma coisa só. Tinha a poesia, a brincadeira, o sarau. No segundo o personagem se identifica com as mazelas do dia-a-dia, as coisas mais urbanas, mais realistas, mais preto-e-branco, com tons pastéis. Acho que o Terceiro Ato vem com uma mescla disso tudo, mas também com propostas de como a gente pode melhorar esse mundo. Não somente narrando os fatos, mas também modificando o meio. Mas só fiz duas músicas, não tenho letra nenhuma ainda. Estamos nos preparando para gravar no segundo semestre desse ano e no começo do ano que vem fazer um lançamento com qualidade, com dignidade.

LA - Como foi estar no Fórum Social Mundial?

Anitelli - É uma experiência que eu acho que todo artista tem que passar. Se colocar na posição do cidadão que está ali disposto a aprender sobre as dificuldades do próximo, a pensar junto com o próximo. No Fórum Social Mundial eu pude me articular com outros músicos e a gente também se encontrou com o pessoal de software livre, da economia solidária, e pensamos o Fórum de MPB, o Fórum de Música para Baixar. Todo artista que tem essa dialética de liberar as músicas para download gratuito, para incentivar o acesso gratuito à cultura, é convidado a se unir a nós. Por isso tudo o FSM foi inspirador. Ele une pessoas de todas as idades, credos, cor, raça, cada um trazendo suas diferenças e dificuldades. É momento de não só a música, mas a cultura em geral aprimorar debates.

LAVocê trabalhava num banco, largou tudo e hoje se dedica do Teatro Mágico. Como foi isso? Foi um processo ou você simplesmente chutou o balde?

Anitelli - Trabalhei por sete anos na parte de produção visual de um banco. E foi ficando insustentável deixar a música apenas como um hobby. Quando a arte faz o chamado dela, ela fala: “De hobby, em segundo plano, eu não vou ficar. Ou me assume, ou some”. Eu já estava a algum tempo envolvido com arte, mas era sempre naquele espaço que sobrava. De noite quando eu não tinha nada para fazer, o resto da minha tarde, as madrugadas. E chegou um momento que aquilo não foi mais suportável. E eu percebi de uma vez por todas que o que eu queria na minha vida era mexer com arte. Eu estava inserido naquele meio, mas batia uma insegurança por largar o emprego por uma coisa que era um ponto de interrogação. Aí eu pensei: é, vai ter que ser assim mesmo, vou ter que assumir isso, gosto de fazer isso, vou me jogar. Trabalhei de garçom nos Estados Unidos, tocava violão nas ruas, na calçada, em shoping, em restaurante, até começar a gravar o CD. E a partir de então a coisa foi acontecendo, e as pessoas começaram a ouvir e a gostar do que eu fazia. Onde tivesse que estar para fazer o projeto acontecer, a gente estava. E em oito meses de lançamento do Segundo Ato foram 2 milhões de downloads e 135 mil CDs vendidos do nosso primeiro trabalho, o Entrada para Raros. A gente sabe que tem público para isso, e um público curioso, cansado das mesmas imbecilidades que a mídia descarrega sobre nós diariamente.

domingo, 5 de abril de 2009

O sussurro

Um sussurro no meio de tanta porrada. Uma pausa para respirar. Para sentir as coisas ao invés de apenas passar por elas. Nada provoca tanto os sentidos quanto o sussurro. Aquele sussurro ao pé do ouvido, que provoca um arrepio bom, mexe com o corpo todo. Quando dei esse nome ao blog, o fiz com o desejo de que minhas palavras provocassem um pouco das sensações intensas que o sussurro é capaz de provocar. A própria palavra sussurro é macia, doce, calma. Mesmo sendo dita em alto e bom som, ela já tem aquele tom macio... que de tão sutil se torna intenso. Experimente dizer SUS-SUR-RO.
Quando abandono o blog, é porque não consigo me atentar aos sussurros diários. Às vezes o estresse é tão grande e a desilusão tão profunda, que não consigo achar palavras que não sejam ásperas e desesperançosas. Sério, as pessoas se dedicam tanto a mostrar às outras que o mundo é uma merda e que não somos nada, que muitas vezes acreditamos nessa balela. Ainda bem que existe alguma luz, força ou entidade que não nos deixa desistir. Pode reparar. Sempre que estamos prestes a desistir dos nossos sonhos, algum sinal aparece. Alguma coisa acontece para nos mostrar que idiotice é desistir, é não lutar. Pode ser uma música, um filme, um tipo de pauta ou uma pessoa - ou várias delas. Parece que Deus nos manda alguns de seus anjos que estão por aqui disfarçados de gente.

Resolvi mudar a cara do blog. Me cansei do laranja. De repente quis algo mais suave, mais azul. Mais calmo. Resolvi mudar porque eu mesma tenho mudado bastante. Não é para melhor nem para pior. É só mudança. De repente bateu em mim que acabou há um ano a faculdade, e eu não sou mais uma adolescente. E a vida sabe ser dura, as pessoas sabem ser intolerantes, e não somos mais estagiários ou estudantes. Somos profissionais. É como disse minha psicóloga: "Bem-vinda, a vida adulta é isso". Só não quero ser desbotada. Quero que os tons pastéis estejam presentes na minha vida como sinal de calma, da calma que eu preciso tanto. Mas não como desesperança ou falta de intensidade. Quero, nas palavras d'O Teatro Mágico "acordar brilhando cada dia mais forte". Sem perder a leveza.

A foto da cabeça, aí em cima, é uma das fotos mais lindas que já vi. O trabalho é de um amigo que não vejo há tempos, Julius, que estudava Artes Visuais e fez francês comigo. Boas lembranças de tardes de papos felizes no bosque da UFG. Agora enquanto estou aqui, tentando amadurecer, Julius trancou o curso por problemas pessoais e está em sua cidade natal, Jataí. Espero do fundo do coração que no meio das turbulências de nossas vidas, um dia nos encontremos de novo para bater papo. Só sentar em qualquer lugar e falar sobre as bobagens da vida. Rir de nós mesmos. A imagem da cabeça teve que ser cortada para caber lá. Ela inteira está aqui embaixo. Todo mundo merece vê-la.

Passei horas ontem procurando uma boa imagem. Não achava de jeito nenhum. Foi quando esbarrei em arquivos antigos e encontrei essa foto. Não tenho o nome dela arquivado, nada. Mas ela exprime bem o sussurro. Não é algo para remeter ao sexual, e sim ao sensual, sensorial, sutil. É o abraço sublime, a união leve. O amor. Aquele abraço e sentimento pelo qual todos esperamos. A foto, assim como o sussurro, é intensa e ao mesmo tempo delicada. É linda. É arte. Assim como gostaríamos que fossem nossas vidas.


*Up: A foto faz parte de um ensaio chamado O corpo erotizado como objeto de arte. E tem o nome de EMBRACE.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Conectou! Blog Nota 10

Depois de um mês e meio sem postar nada, eis que ressurjo das cinzas, e com boas novidades. Uma leitora muito muito especial, com ótimo senso crítico e delicioso senso de humor, parceira de alguns bons papos virtuais, me deu um grande presente: o selo Conectou! Blog Nota 10, esse aí do lado. Lá de São Luís, no Maranhão, a jornalista Liliam Freitas, do P.O.N.T.O I.N.I.C.I.A.L, sempre me dá força com seus comentários e incentivos. Valeu, parceira!


Mas não pensem que o selinho vem e é só alegria e agradecimento. Ele vem com uma cobrança para que o blog seja nota Dez e por textos bons, legíveis, relevantes e inteligentes. E como manda a corrente do bem o contemplado com o selo tem as seguintes coisas a fazer:
* Escrever um post, anunciando que recebeu o selo, exibindo-o;
* Indicar o selo para exatamente 5 blogs, e,
* Avisar aos blogs contemplados.

Eu demorei pra caramba porque teria que escolher apenas 5 Blogs nesse momento, e eu tenho o privilégio de ter mais de 5 amigos geniais que escrevem coisas maravilhosas.
Mas tive que escolher, e aí vai.

Perhaps, perhaps perhaps: Não é rasgação de seda, mas minha marmota já escrevia bem humor, e me surpreendeu agora com alguns textos lindos e cheios de poesia. London está inspirando meu roedor amado ^^

Sobre algumas Histórias:Textos muito bem escritos, comentários inteligentes, ironia fina. Um dos colegas que mais admiro, Rodrigo Alves

Erika Lettry : Sem puxa-saquismo, não tenho culpa se esse casal é tudo de bom. Essa menina emociona e faz rir. Textos leves e gracinha, delícia de ler.

Outra Linha: Fred Leão e seus textos cheios de humor ácido...Sempre orna com qualquer momento do dia, sem falar que lava a alma. Atóron...hehehehehe

Ana Flávia Alberton: Poetisa do simples e do sutil. Observadora do complicado, do sofisticado. Textos para se deliciar.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Formigas


Ele estava ali, parado na esquina, olhar perdido no horizonte. De vez em quando conversava com um buraco minúsculo no poste de cimento. Mas as formigas – ah, essas malditas! – interrompiam o diálogo que era muito sério, na verdade uma conversa de homem pra homem. Desistiu do papo, discussão que nunca teve coragem de ter de verdade. Do real alvo de sua indignação ele sempre fugiu: “Não vale a pena me desgastar pelo covarde”.
E o olhar voltava a se perder na linha do nada. Ali, em pleno centro da cidade, onde todos passavam em seus carros, ocupados com as próprias vidas, morrendo aos poucos em seus mundinhos fechados. Ali naquela esquina repleta de barulho de motores, obras, gritos, passadas apressadas. Ninguém o veria naquela esquina. Na verdade, ninguém nunca o viu em lugar nenhum. Homem calado, sempre preferiu estar sozinho, estar só consigo mesmo. Ele mesmo não se trairia, não poderia existir companhia melhor.
E quando descobriu que não só poderia trair-se a si mesmo, como o fez de fato, foi parar ali. Um dia já soube o que queria e o que fazer da própria vida. Agora não sabia mais. Estava sozinho. O emprego não fazia sentido. A mulher que pensava amar não preenchia seu vazio. Tudo o que escolhera não passava de ilusão. Tudo era assim como as nuvens que via ao olhar para cima: meras formas.
Passaram-se 50 anos e a vida não era nada, apenas tempo corrido. Em que momento se perdeu nas linhas do próprio caminho? Não sabia. O que fazer ou para onde ir? Já não sabia mais. Por isso estava ali. Ali, com seu pior pijama, rasgado e desgastado. Sempre invisível. Cabelos desgrenhados, voz grave balbuciando coisas que nem ele mesmo era capaz de entender. E invisível. Parado, sentido apenas os pés no chão e o cheiro da fuligem. Simplesmente parado, agora olhando as malditas formigas, que pequenas e sem significado, insistiam em fazer sentido andando apressadas, mas juntas.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Chuva


A vida fica pálida quando nos tornamos realistas e acomodados. Quando trabalhamos o dia todo, nos afogamos e sufocamos de tanto trabalho, depois chegamos em casa cansados e nos isolamos em nossos prédios com janelas cheias de grades. Não pegamos mais fortes chuvas de verão, porque estamos seguros sob um teto confortável ou dentro do carro que nos custa a liberdade. E então para que nos molhar? Para pegar uma pneumonia?
Quando a redação do jornal me deixa desesperada, eu brinco que me dá vontade de sair correndo pelada gritando com os braços para cima na chuva. É a coisa que realmente tenho vontade – sem o exagero da parte de estar pelada. Sinto falta de bancar a louca, e andar pela chuva com a mochila numa sacola para num molhar as coisas, a roupa pingando, os pés descalços e os cabelos ao vento. Até o ano passado eu fazia isso. Hoje, não sei por que motivo, não faço mais. Não tem nada que represente melhor a liberdade para mim do que isso.
Agora chove com força e não me importo com os pingos que vez ou outra batem meio tímidos na minha cara enquanto escrevo de janela aberta. Cheiro de chuva. Vento. O céu. Sinto falta das sensações tão minhas, do que me fazia colorida, peculiar.
Às vezes me sinto desbotada. Quando velhos conhecidos me dizem que estou diferente, eu sei em que. Da minha janela só vejo outras janelas (que vivem fechadas). Estou cercada de prédios e já me senti muitas vezes claustrofóbica no meu novo lar. Em outros momentos, meu corpo fica pesado e sinto uma preguiça tão grande, parece que meus projetos estão distantes de mim. Para ver uma pontinha dos topos das árvores do zoológico, preciso pôr a cabeça para fora da janela e ficar na ponta dos pés. Complicado...

Hoje no fim da tarde me cansei de tanta visão cinza. O céu estava nublado, com aquela cara de que ia desabar a qualquer momento. Decidi dar uma volta até a chuva cair. Queria que caísse o céu numa tempestade de pingos grossos para lavar todo meu pessimismo e descrença. Quando coloquei os pés para fora do prédio, já chuviscava. Pensei: “Maravilha!”. Andei e andei e a pista de caminhada do Horto não acabava mais. E NÃO chovia. Apesar disso fui indo... Pensando na vida, olhando as árvores, o trecho que tantas vezes andei pra chegar até o ponto de ônibus depois de sair da Universitária. E fiz planos. Quando cheguei na entrada de casa, o celular tocou. E todas as bençãos que tenho na vida ficaram ainda mais evidentes. Mesmo sem a chuva – que só agora, às 21h, entra pela minha janela – me senti feliz. Simplesmente porque depois de meses me senti de novo disposta a entrar na tempestade.