segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Capitu



Eu, você, a moça que vende sonhos na padaria, a super top model maravilhosa. Basta um pouco de sensibilidade para que se perceba a Capitu em cada uma de nós. O romance de Machado de Assis não deixa gerações apaixonadas graças às paranóias de Bento Santiago, nem aos superlativos de José Dias. É a moça dos olhos de ressaca, que afogam sempre os leitores. E todas nós temos um pouco desse encantamento.

Sei que já faz algum tempo que acabou a microssérie maluca sobre o livro que a Globo fez, mas ela teve cenas tão deliciosas e mágicas que só agora digeri tudo. A cada quadro, uma fotografia perfeita, com cenas encantadoramente teatrais. Eu já tinha esquecido minha paixão por esse romance, mas por muitas noites a moça da Rua de Matacavalos ficou na minha cabeça na adolescência. Primeiro pelo mistério. Fernando Sabino, na tentativa de tentar esclarecer essa dúvida que nem Machado seria capaz de esclarecer, escreveu tudo em terceira pessoa no romance Amor de Capitu.
Mas será mesmo que tirar as palavras da boca de Bentinho mudaria alguma coisa? Corri e comprei o livro para ver, mas não. Porque as idéias e neuroses do nobre advogado que não quis ser padre ainda estavam ali, só ele foi ouvido. Sempre fiquei pensando o que Capitu diria se pudesse se defender. E na verdade acho que Bento bem que tinha um complexo de inferioridade que fazia com que tivesse essas fantasias malucas. Percebe-se nas entrelinhas que ele se achava bem menos que Capitu. Ela era mulher forte, dona do próprio destino, e não era permitido ser assim. Meu sonho era alguém escrever o ponto de vista de Capitu. Mas ainda bem que Machado não o fez, porque, bem, conhecendo Machado como conheço, sei que ele deixaria as coisas piores com sua fina ironia.
Embora esse mistério seja o que mais intriga a maioria dos leitores, a microssérie mostrou que o romance vai muito além disso. As críticas sobre os costumes da época refletidas na fantástica ironia de Machado de Assis, os quadros perfeitos, as cenas lindíssimas. Euclydes Marinho e Luiz Fernando Carvalho apenas transformaram em imagem as palavras do escritor. Letícia Persiles esteve maravilhosa. Era a Capitu que eu imaginava. Maria Fernanda Cândido também esteve perfeita. E o Bento Santiago de Michel Melamed? Melhor, impossível. Teve muita gente que achou chato, eu, particularmente, me deliciei.


Abaixo, minha cena preferida... Penso que resume como Bento sempre esteve envolvido pelos encantos de Capitu, como essa mulher o atraía, seduzia. Sacada simplesmente maravilhosa da produção...


http://www.youtube.com/watch?v=8NOE8xiC_Bo

sábado, 27 de dezembro de 2008

Natal?

Pensava que era só comigo, mas esse ano ouvi pelo menos cinco pessoas dizendo que não gostam do Natal, ou o consideram triste. Será que antes eu não via isso ou as pessoas estão mesmo mais descrentes? Todo mundo numa correria danada em busca do presente para agradar os outros, mas grande parte dessa gente reclamando de uma coisa estranha no coração, e no dia seguinte: "Acho Natal triste" ou "Não gosto do Natal".
Antes, as luzes da cidade e o cheiro de pipoca na porta da igreja me deixavam feliz, com uma sensação deliciosa de conforto. Mas agora parece que ficou faltando algo, e de repente aquelas luzes não faziam mais tanto sentido, como se tivessem perdido seu brilho.
Muito clichê todo mundo escrevendo sobre o verdadeiro espírito de Natal. Todos os filmes de Natal que têm o mesmo assunto desde sempre. Os especiais de final de ano das emissoras...Tudo tão cansativo. Não sei o que eu queria realmente nessa noite feliz. Talvez quisesse recuperar um pouco da fé que perdi no meio do caminho. Tanta desilusão...
Todo mundo fala em espírito de Natal, em ajudar o próximo. Eu não senti isso esse ano. E o pouco que fiquei sabendo, também me pareceu um grande clichê. E me pareceu meio idiota todo mundo resolver fazer alguma caridade nessa data, quando na verdade as pessoas sentem fome e frio e precisam de atenção e carinho durante todo o ano. É como se pudéssemos ser egoístas, frios, preconceituosos, homofóbicos e cegos durante todo o ano, e levar comida para os pobres no Natal apagasse tudo isso e no próximo ano repetimos tudo e somos igualmente redimidos pela noite de Natal.
O Natal era minha data preferida. Não sei porque deixou de ser, nem onde me perdi no meio disso tudo. Só sei que esse ano senti, como tanta gente, uma grande tristeza. E enquanto arrumava a casa para a noite feliz, o cheiro de ave assando na casa do vizinho invadia minhas narinas. Queria fechar os olhos e pensar que essa era só mais uma noite como outra qualquer. Pensar que ela é especial enquanto eu estava em casa pensando em tudo que não fiz em 2008, sozinha com episódios antigos de seriados, era muito muito ruim. Mas o cheiro do assado invadia tudo só para me provocar, só para me lembrar do que já não sou e nem acredito mais. Era um estupro olfativo, uma ofensa. Mostrava que alguém estava comemorando. Talvez esse alguém fosse mais um que comentasse no dia seguinte como é triste o Natal. Ou talvez seja uma rara pessoa que ainda consegue sentir algo nessa data - que não seja impulso de comprar - e comungar com os outros.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Pagu


Vazio. O que desespera a todos nós não é exatamente o medo, nem a tristeza, nem a ausência da coragem. É o vazio. É querer dar à vida um significado que não sabemos qual é. Queria ter a serenidade da Maitê Proença, quando ela falou numa palestra esse ano aqui em Goiânia que “se não sabemos o motivo de estarmos aqui, que pelo menos seja agradável”. Juro que tentei e sempre tento, mas às vezes é extremamente difícil.
Como fazer ser agradável? Sorrindo para todos? Talvez. Fazendo pequenas coisas diárias que façam alguém feliz? É, isso também é ótimo e alivia bastante. Fazer coisas que dêem um prazer momentâneo? Funciona por um tempo. Mas sempre volta aquele questionamento de "que utilidade tem minha vida para o mundo?".
Acho que isso sempre existiu em mim, como a cada dia que passa comprovo que existe em todas as pessoas, mas sinto isso de forma mais acentuada desde que entrei na universidade. Eu pensava que o jornalismo iria me fazer feliz e me satisfazer. Mas desse ofício veio como que uma obrigação de fazer algo pelo mundo, algo que não sei o que é. Na adolescência eu acreditava que meus pequenos trabalhos em movimentos da Igreja Católica mudavam de alguma forma o mundo, mas não sei até que ponto tudo isso era verdade. Me deparei com tantas mentiras que não suportei continuar. Me desespera pensar que no jornalismo não vou conseguir fazer algo que seja útil. É delicioso ser elogiada por uma ou outra matéria. Mas é tão angustiante pensar em que isso vai mudar a vida das pessoas...
Acho que pesa a responsabilidade do que sempre acreditei ser jornalismo: uma forma de fazer algo pelo mundo. De denunciar, ser crítica, mas também de mostrar a beleza das coisas. Mas tem dia que me sinto murchando, meio sem crença, meio com a ilusão capenga.
Há dias em que penso se realmente as pessoas querem ler o que eu acho que elas querem. Se realmente querem alguma beleza ou ver o lado dos seres humanos que ficam escondidos sob os estereótipos que insistimos em reafirmar. O Edvaldo, grande mestre do Jornalismo Literário, garante que sim. E eu quero tanto acreditar nisso, quero tanto, quero com todas as minhas forças.
Essa semana li Paixão Pagu – A autobiografia precoce de Patrícia Galvão. Deus do Céu! Cada linha era uma facada. Que mulher foi essa Pagu. Talvez eu tenha sentido mais porque – claro que em escala menor, porque né, quem sou eu – me identifiquei. Sabe, ela procurava um ideal pelo qual pudesse entregar sua vida. Tentou o Modernismo, o Comunismo...e mais ismos...E nunca encontrava!
Se decepcionou com a vanguarda modernista arrogante que assim como muitos dos intelectuais de hoje querem criticar sem ver os próprios defeitos. Como são vaidosos e chatos os intelectuais. Deve ser por isso que prefiro a gente comum, que não se esforça por ser encantadora e por isso é muito mais interessante que os intelectualóides que querem a todo preço provar sua superioridade.
Se decepcionou com o comunismo, uma causa pelo qual entregou a vida e na qual tentou provar toda sua fidelidade e paixão, que foi ignorada. Os comunistas eram o extremo dos modernistas: queriam tanto valorizar o operário que precisavam rebaixar os que pensassem serem burgueses.
Sem falar nos amores dessa mulher. Desde muito cedo, para ela cada relacionamento era uma busca por se encontrar e encontrar amor de verdade. Eu ia escrever que todas nós mulheres temos essa ânsia de preencher nossa falta de alguma coisa no peito com nossos amores. Mas não. Os homens também têm esse vazio, essa sede. Também têm essa procura. Isso é visível, perceptível demais. Os vazios de todos parecem gritar no meio da rua.
Fico pensando como não ficou o coração dessa Pagu que tanto lutou contra o vazio de ideal, que tanto buscou algo pelo que lutar e não encontrou seu lugar por anos. Como o livro acaba no momento em que Patrícia Galvão é presa, nunca vou saber se ela morreu feliz ou se pelo menos por alguns instantes achou seu lugar no mundo. Não me parece verídico se eu não ler com as palavras dela. De repente os olhos de Pagu me pareceram muito mais vivos na foto da capa. Ela me parece hoje muito mais viva, quase um pedacinho de mim. De repente senti muito mais frio e meu vazio começou a gritar ainda mais. Será que eu vou morrer feliz ou ao menos por alguns instantes achar meu lugar ou o ideal pelo qual daria a vida?
Só quero não ser morna. Me recuso a aceitar esse vazio. Não interessa se vou conseguir ou não vencê-lo, mas é minha obrigação tentar. Se for para morrer, que seja de paixão, não de tédio.