quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Hugo

 Já faz uns dias que estou pensando em uma pessoa que não vejo há uns 20 anos. É muito louco que em plena pandemia eu comece a pensar em uma pessoa que morreu em 2013. É estranho. A gente se conheceu na escola, entre chicletes de menta, pitchulas, trabalhos escolares, fantasias e sonhos. Você me levava em casa e esperava pacientemente ser meu primeiro beijo. Não foi. Mas foi meu primeiro abraço, meu primeiro carinho, foi desses amores inocentes de adolescência. Sem peso, sem dor, sem consciência, sem medo. Só carinho mesmo. Goiânia é um ovo, mas eu nunca mais te vi. Guardei aquela caixinha cheia de te amos escritos com letra feia e empapada de algum perfume. E sempre tinha alguém que me contava de você. Da sua filha, da sua moto. E um dia, da sua morte.

É estranho pensar que quando você morreu a gente ainda era tão jovem. Você também era filho único. Pensei na caixinha de te amos, no perfume, na sua mãe. A gente dançando Ana Júlia, inventando uma música de metáforas, o professor de biologia, filmes e redações. Eu queria ser jornalista. Queria muito e achava que ia mudar o mundo discutindo e cantando Legião Urbana. Quase 20 anos que não te vejo e quase 10 que você morreu. Mas é uma loucura que algumas vezes ainda lembro de você e penso em como seria sua vida se você estivesse vivo. Sua filha já deve ser adolescente. O professor de biologia continua igual. É estranho pensar que a vida um dia existe e ao dia seguinte não mais. Mesmo sem pandemia. Cara, um monte de gente morreu em uma pandemia louca, sabia? Mas você foi embora antes e nem viu. Quando você morreu, o Facebook tava começando a bombar no Brasil. Ninguém sabia quem era Bolsonaro, ninguém imaginava que ia rolar essa pandemia um dia. Você sabia que eu mudei pra Bolívia? Quando te conheci pensava no Egito, pensava em mil países, mas nunca tinha pensado em viver na Bolívia. A vida é muito louca, Hugo. E só queria que você soubesse que de vez em quando penso em você e ainda agradeço sua ternura. E espero que um dia nos encontremos para rir como loucos outra vez das insanidades da vida.

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Agosto

Para os povos andinos, agosto é o mês em que começa a colheita. É também o mês em que se alimenta a mãe-terra, que tem fome e abre a boca para receber as oferendas. Aqui não existe o diabo. A sua oferenda tem a cor da sua intenção. Mas que fique claro: se você usa essa energia para machucar, ofender ou prejudicar, cedo ou tarde a terra cobra.

Gosto muito desse mês e de toda a carga simbólica que ele traz. Uma coisa de agradecer, celebrar e ao mesmo tempo de preparar a terra para um novo ciclo. Por isso escolhi reativar o Sussurro nessa data. Sei que faz tempo, mas tenho saudade demais desse cantinho onde posso transbordar amor e ideias. Venho ensaiando esse momento há tempos e talvez a reflexão da lua minguante junto com a explosão criativa de agosto me ajudaram a voltar de uma vez.

Escrever é vida, é medicina. Voltar aqui é parte da minha colheita e ao mesmo tempo de uma bonita preparação para um novo ciclo.

Jallalla Pachamama. E que seja doce.