terça-feira, 28 de junho de 2011

- Eu vou ser porteira.

O rosto enrugadinho sorri meio sem jeito. As mãos meio vacilantes ajeitam bem rápido o gorrinho de tricô. Em seguida os dedinhos pequenos alisam o casaco gasto, entram pelos botões e coçam a pele cheia de histórias sob o corpinho do vestido. Coça a orelha.

- Sabe, estou há meia hora esperando a senhora que vem me buscar. É uma casa de luxo, na Zona Sur. Mas essa gente é meio esnobe, você acha que eu devo aceitar?

Diante da pergunta, olho com mais atenção a senhora cheia de expectativa que está sentada ao meu lado.

- Penso que essa gente vai me tratar mal. Mas é bom o trabalho, vou ficar sentada, vou ter comida. Mas e se me maltratam?

Lhe digo que experimente, e se não gosta, que deixe o trabalho. A pequena e magra senhora, no entanto, não pára de falar. Tem dois filhos que já não sabe onde estão. Tem amigos que lhe ajudam. Tem 200 pesos de ajuda do governo. Tem histórias que “nem gostaria de lembrar”. Tem uma casinha humilde com uma janelinha por onde vê passar a vida de quem ainda corre apressado por ter muito o que viver. E tem medo, muito medo da gente que maltrata os pobres. Com sua voz fina e fraquinha, a única coisa que não tem é alguém que lhe escute os problemas e neuroses. Coisas da solidão.
Fala de estar sozinha como se não se importasse, mas aos poucos os olhinhos rasgados se enchem de lágrimas:

- Gosto de ver gente.

E olha o horizonte povoado por trabalhadores indo para o horário de almoço. Os dedinhos se entrelaçam e fazem movimentos nervosos ao som de uma morenada que não está tocando. Respira fundo mais uma vez.
Chega a futura patroa. Pede desculpas. E intima a senhora-formiguinha a entrar no BMW.
Com passinhos lentos e delicados a senhora se dirige ao carro de luxo. Antes, cochicha em meu ouvido que nunca havia entrado em um carro assim. Como seria seu cheiro?
Bate a porta. Abre a janela:

- Meu nome é Ana. Te conto depois – E acena como se eu fosse uma velha amiga.

3 comentários:

Antônio LaCarne disse...

primeira vez a visitar o seu blog e adorando o conteúdo. já te sigo.

grande abraço.

Munique Duarte disse...

Visitando o seu blog me identifiquei por também ser jornalista e ter a necessidade de escrever além daquilo que me mandam escrever. Deixo o meu blog http://textosimperdoaveis.blogspot.com

Abraço!

Ana Flávia Alberton disse...

Lidoca, tô com saudade.
Você ainda nos ama? hehe

Gosto quando vc atualiza o sussuro, pelo menos vou saber que você ainda respira. rá!

Lidoca blablabla
Lidoca.

Besteiras à parte, saudade.