quinta-feira, 29 de abril de 2010

A menina dos sapatinhos vermelhos

- Rasga-me com a força de uma espada forjada em mil ressentimentos.

Assim começava a fala da menina que não sentia sua vida clareada pela luz da lua cheia feita para os amantes. Sentada embaixo de uma árvore sem folhas, ela só sabia olhar as estrelas com os olhos opacos. Olhos que só podem ser tão apagados porque já brilharam demais. Como pode algo tão recente doer tanto? Doía. Com aquela dor estranha e silenciosa que corrói as entranhas, fechou os olhos por uns instantes. Estava cansada. Tão jovem e tão cansada. A verdade é que não sabia por onde ir. Sentia-se cansada e estúpida, o tipo de pessoa que jamais poderia ser amada de verdade por alguém.

- Sangra e faz jorrar esses ciúmes amargos e doloridos, coração.

Era o apocalipse interno. A força de mil dragões torturando-a e rindo de sua agonia. Por que amar dói tanto? Era a única coisa que ela queria entender. A pobre menina de sapatinhos vermelhos que não tinha estrada amarela para seguir, só um amor gigantesco e uma vontade enorme de gritar. Quando ouviu o grito da louca que cantava na esquina, sorriu. Queria ter a liberdade dos loucos, que em seu delírio não se importam com quem quer que seja, só com os próprios devaneios, com os amores de sonho. Deve ser bom ter um amor de sonho. Desses em que não existe o perigo de cair da cama e esborrachar-se na realidade dura e gelada. Que merda de realidade, menina. Você deveria mesmo ter seguido Alice e ficado pelo País das Maravilhas, que aqui só há dor e ressentimento. Respirou fundo. Sentiu o ar quente e seco agredindo suas narinas.
Depois de chorar lágrimas de açúcar amargo, a menina adormeceu. Acordou com um incômodo nos pés. Durante o sono os pés cresceram atrevidos, esborrachados e feios, e rasgaram o delicado sapatinho vermelho-brilhante. Pronto. Agora era seguir descalça mesmo, sentindo a rudeza das pedras e a aspereza da terra. Era sua vez de, despida de tudo, encarar a vida. E dessa vez nem o Mágico poderia intervir por ela.

4 comentários:

Sarah Mohn disse...

Adoro seus textos, amore...

Rodrigo Alves disse...

Belo texto!

Lara Cervasio disse...

Realmente lindo demais.

Sabe que eu queria ter a insanidade dos loucos, as vezes, também. Ninguém espera algo sã deles. Atitudes bem pensadas, sair falando sozinho e gritando com a vida, já é algo rotineiro.
Mas eles têm um atestado de 'louo' que o 'tira toda culpa' por tais atos.

Agora, eu, considerada 'normal', até meus pensamentos são recriminados. Atos então... Aff!


Nunca sofri tanto assim por amor, laro que já tive as paixõeszitas, mas encaro o amor de uma forma diferente, eu acho. rsrs

Beijos

Thiago Piraca disse...

Lídia essa Bolívia tá te fazendo bem. Meu sapato vermelho também foi perdido em algum lugar, apagado da memória pela dolorasa existência. Espero criar os cascos necessários pra encarar o que há de vir.