quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Formigas


Ele estava ali, parado na esquina, olhar perdido no horizonte. De vez em quando conversava com um buraco minúsculo no poste de cimento. Mas as formigas – ah, essas malditas! – interrompiam o diálogo que era muito sério, na verdade uma conversa de homem pra homem. Desistiu do papo, discussão que nunca teve coragem de ter de verdade. Do real alvo de sua indignação ele sempre fugiu: “Não vale a pena me desgastar pelo covarde”.
E o olhar voltava a se perder na linha do nada. Ali, em pleno centro da cidade, onde todos passavam em seus carros, ocupados com as próprias vidas, morrendo aos poucos em seus mundinhos fechados. Ali naquela esquina repleta de barulho de motores, obras, gritos, passadas apressadas. Ninguém o veria naquela esquina. Na verdade, ninguém nunca o viu em lugar nenhum. Homem calado, sempre preferiu estar sozinho, estar só consigo mesmo. Ele mesmo não se trairia, não poderia existir companhia melhor.
E quando descobriu que não só poderia trair-se a si mesmo, como o fez de fato, foi parar ali. Um dia já soube o que queria e o que fazer da própria vida. Agora não sabia mais. Estava sozinho. O emprego não fazia sentido. A mulher que pensava amar não preenchia seu vazio. Tudo o que escolhera não passava de ilusão. Tudo era assim como as nuvens que via ao olhar para cima: meras formas.
Passaram-se 50 anos e a vida não era nada, apenas tempo corrido. Em que momento se perdeu nas linhas do próprio caminho? Não sabia. O que fazer ou para onde ir? Já não sabia mais. Por isso estava ali. Ali, com seu pior pijama, rasgado e desgastado. Sempre invisível. Cabelos desgrenhados, voz grave balbuciando coisas que nem ele mesmo era capaz de entender. E invisível. Parado, sentido apenas os pés no chão e o cheiro da fuligem. Simplesmente parado, agora olhando as malditas formigas, que pequenas e sem significado, insistiam em fazer sentido andando apressadas, mas juntas.

3 comentários:

Lisandro Nogueira disse...

Eu não sabia que gosta de escrever ficção. Muito bom!! Lisandro

Nadyene & Flávio disse...

Lídia!
Lembrei-me que você tinha um blog. Vim aqui colocar em prática meu espírito investigativo e o descobri. Rs...
Gostei muito do que li.
Resolvi retomar minhas atividades blogueiras há muitos anos interrompidas, daí por aqui passei para te adicionar. Afinal, leitura de qualidade jamais é suficiente.
Beijos

Ana Cândida

Liliam Freitas disse...

Eu te passei mais um selo. Blog Nota Dez. http://pontoinicial.blogspot.com/2009/03/ponto-inicial-recebe-o-selo-blog-nota.html
Sucesso menina, leia pq vc tem que passa esse selo
Liliam Freitas