sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Chuva


A vida fica pálida quando nos tornamos realistas e acomodados. Quando trabalhamos o dia todo, nos afogamos e sufocamos de tanto trabalho, depois chegamos em casa cansados e nos isolamos em nossos prédios com janelas cheias de grades. Não pegamos mais fortes chuvas de verão, porque estamos seguros sob um teto confortável ou dentro do carro que nos custa a liberdade. E então para que nos molhar? Para pegar uma pneumonia?
Quando a redação do jornal me deixa desesperada, eu brinco que me dá vontade de sair correndo pelada gritando com os braços para cima na chuva. É a coisa que realmente tenho vontade – sem o exagero da parte de estar pelada. Sinto falta de bancar a louca, e andar pela chuva com a mochila numa sacola para num molhar as coisas, a roupa pingando, os pés descalços e os cabelos ao vento. Até o ano passado eu fazia isso. Hoje, não sei por que motivo, não faço mais. Não tem nada que represente melhor a liberdade para mim do que isso.
Agora chove com força e não me importo com os pingos que vez ou outra batem meio tímidos na minha cara enquanto escrevo de janela aberta. Cheiro de chuva. Vento. O céu. Sinto falta das sensações tão minhas, do que me fazia colorida, peculiar.
Às vezes me sinto desbotada. Quando velhos conhecidos me dizem que estou diferente, eu sei em que. Da minha janela só vejo outras janelas (que vivem fechadas). Estou cercada de prédios e já me senti muitas vezes claustrofóbica no meu novo lar. Em outros momentos, meu corpo fica pesado e sinto uma preguiça tão grande, parece que meus projetos estão distantes de mim. Para ver uma pontinha dos topos das árvores do zoológico, preciso pôr a cabeça para fora da janela e ficar na ponta dos pés. Complicado...

Hoje no fim da tarde me cansei de tanta visão cinza. O céu estava nublado, com aquela cara de que ia desabar a qualquer momento. Decidi dar uma volta até a chuva cair. Queria que caísse o céu numa tempestade de pingos grossos para lavar todo meu pessimismo e descrença. Quando coloquei os pés para fora do prédio, já chuviscava. Pensei: “Maravilha!”. Andei e andei e a pista de caminhada do Horto não acabava mais. E NÃO chovia. Apesar disso fui indo... Pensando na vida, olhando as árvores, o trecho que tantas vezes andei pra chegar até o ponto de ônibus depois de sair da Universitária. E fiz planos. Quando cheguei na entrada de casa, o celular tocou. E todas as bençãos que tenho na vida ficaram ainda mais evidentes. Mesmo sem a chuva – que só agora, às 21h, entra pela minha janela – me senti feliz. Simplesmente porque depois de meses me senti de novo disposta a entrar na tempestade.

2 comentários:

Lisandro Nogueira disse...

Olá Lidia,
obrigado por me "seguir". Escreves bem. Vou acompanhar seus escritos sempre que possível. Esse da chuva é singelo e bonito. Lisandro

Liliam Freitas disse...

E que venha a chuva ou as chuvas! É melhor o plural. Escrevi um texto sobre o que fazer na chuva, realmente não lembrei de dizer para pessoa ir tomar banho na chuva, entrar em contato com a mãe natureza e o seu suco. É tão obvio, eu geralmente corro.

Papéis que não devem ser molhados. Mas você deu a dica: a sacola a tira colo.

Em Belém, cidade quente, de manhã era um calor doido e a tarde vinha a chuva. Aguardada, nunca vi uma chuva tão certa e desejada. Lá é assim: " A gente se encontra antes ou depois da chuva?"